Cantada de rua pode ser crime de injúria, opinam advogados
Recentemente um caso ganhou as manchetes dos jornais e TVs em todo o país. A estudante de Direito Yasmin Ferreira, de 21 anos, cansada de ouvir todo dia piadas e cantadas grosseiras vindas de um porteiro, no bairro de Copacabana (Rio de Janeiro) teve seu 'dia de fúria'. Como ela fazia o mesmo caminho sempre, certa vez resolveu dar uma tremenda bronca no rapaz. A reclamação foi registrada em vídeo e caiu na internet atingindo milhares de visualizações e comentários sobre o episódio. Com isso, levantou a questão sobre quais são os limites das cantadas de rua.
'Sempre ouvi gostosa e tesão daquele porteiro. Mas o desrespeito foi aumentando e não consegui ficar calada. Não acho que elogiar alguém seja um problema, mas ele começou a mencionar partes do meu corpo, sempre de forma inconveniente. Primeiro falou da minha perna, depois da minha bunda e dos seios. O que viria depois?', questionou a estudante ao site do jornal O Globo.
Yasmin não está sozinha. De acordo com a campanha 'Chega de Fiu Fiu', realizada em setembro de 2013 com 7.762 mulheres que responderam a um questionário online sobre cantadas, a maioria delas não aprova a abordagem. O resultado apontou que 83% delas não gostam de ouvir cantadas e 81% já deixaram de passar por algum lugar por medo de serem abordadas. Ainda segundo o levantamento, 90% já trocaram de roupa antes de sair de casa para evitar alguma provocação.
Mas, afinal, as cantadas de rua podem ser tipificadas como assédio sexual ou algum tipo de crime?
O advogado criminalista Danilo Buck explica que as cantadas de rua não podem ser consideradas assédio sexual. Em sentido estrito, ressalta o criminalista, o assédio sexual é tipificado como crime pelo artigo 216-A do Código Penal. E prevê punição para aquele que constranger alguém com o intuito de obter vantagem sexual ou valer-se de uma condição de superioridade hierárquica relacionada ao emprego, cargo ou função. 'Esse tipo de crime, geralmente, ocorre em ambiente de trabalho, mas nada impede que ocorra fora dele. Mas uma cantada na rua, de um desconhecido, jamais será considerada crime de assédio sexual', explica.
No entanto, se as palavras ofenderem a dignidade ou o decoro [decência] da pessoa que as recebe pode haver o crime de injúria, contra a honra. 'Isso, em minha opinião, é resquício de uma sociedade machista. A mulher que se sentir ofendida com esse tipo de atitude pode procurar uma delegacia de polícia e noticiar que foi vítima do crime de injúria. Quem praticou o ato poderá ser condenado de 1 a 6 meses de detenção ou pagar uma multa', informa o criminalista.
Caso da estudante não configura assédio sexual
Segundo Aparecido Inácio, advogado especialista em Direito do Trabalho e professor universitário na Universidade Paulista (UNIP), o caso da estudante não configura como assédio sexual, mas pode ser considerado um 'ato atentatório ao pudor'. No caso de Yasmin, explica Aparecido, a melhor alternativa seria a estudante processar o condomínio.
'Criminalmente não vai dar em quase nada, apenas dor de cabeça. Mas no bolso dos condôminos vai doer mais e o homem em questão deve ser demitido. Tenho conhecimento de vários casos assim, faz parte da cultura absurda e machista. Um médico, certa vez, chamou uma enfermeira de macumbeira. Ela disse que não era e perguntou por que ele disse aquilo. Ele simplesmente respondeu que toda macumbeira é negra, então, ela provavelmente seria também já que era negra. Em outra ocasião, um juiz em São Paulo foi transferido porque ameaçava e berrava com os servidores', explicou o advogado.
Fala ofensiva pode ser injúria
Na avaliação da advogada Silvana Lourenço Lobo, coordenadora e professora do Curso de Direito da Universidade FUMEC, em Belo Horizonte, Minas Gerais, as cantadas de rua não podem ser tipificadas como assédio sexual. Isso porque este tipo de crime exige, necessariamente, a existência de uma relação entre quem fez a ofensa e a pessoa ofendida.
'Nas ruas, o máximo que se teria são crimes de outra natureza ou, em alguns casos, pode ser que nem haja um tipo de crime. Se as 'falas' forem ofensivas, como foi o caso da menina de Copacabana, pode ser injúria, por exemplo. Esta que se trata de uma ofensa à dignidade ou ao decoro [decência] das pessoas', afirma Silvana, também Defensora Pública de Minas Gerais.
O crime ocorre quando a pessoa sente a sua dignidade ferida
O advogado criminalista Danilo Buck explica que agressões verbais travestidas de elogios (como 'Ô sua gostosa', 'Sua delícia', entre outras) podem ser enquadradas em crime de injúria. 'Isso porque elas ofendem a dignidade da pessoa que os recebe, então pode ser considerado um crime contra a honra. No entanto, trata-se de um enquadramento extremamente subjetivo, pois há pessoas que não se incomodam com as provocações', opina Danilo.
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